sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Leitura Diária #003

DANE-SE O TEMPO!

Noelio Mello · Belém, PA
29/8/2007


Muitos sofrem com o andar acelerado do tempo. Mastigam seus dias apressados com medo do amanhã, do que lhes pode reservar o futuro. Sofrem com dores que ainda não atingiram suas carnes, suas almas. Queimam suas entranhas com o fogo do medo do desamor, da esperança que tarda, dos sonhos que o tempo não traz em suas andanças diárias.

Há desesperos em muitas vidas com medo que o tempo traga a má sorte, dias infelizes, fatos que desarrumem seus já desarrumados dias. Sofrem com o findar da beleza, temem a velhice, os vincos nas faces, os cabelos nevados, os passos lentos, o findar da vida.

Vendam os olhos para os prazeres da vida, para os luares embriagadores, para o chão das estrelas. Negam-se a recarregar seus corações com a poesia dos ventos, com a liberdade dos pássaros, com os flocos jaspeados de nuvens. Não vibram com o azul dos oceanos profundos, com as águas doces do mais belo e calmo dos remansos. Almoçam e ceiam pratos fartos de pessimismos. Não variam seus cardápios.

Que me importa o tempo, na sua caminhada inexorável, imutável, se hoje posso ser livre para sentir desejos, para beber do amor, sentir o aroma do vinho, colher um fruto maduro, um raio de sol que se espreguiça pelas janelas? Sentir na face uma brisa da tarde, muitas gotas de chuvas, olhar as praças, as garças que ruflam serenas suas asas silenciosas?

Que me importa se o tempo mente e engana, jura promessas e não as cumpre? Pouco me importa suas lições matinais, velhas como o mundo, se não posso cessar seus passos, se sou incapaz de vencê-lo. Pouco me importa se hoje ele risca uma ferida no meu espírito, faz sangrar meu coração. Amanhã apenas serão cicatrizes, tatuagens sem cor, sem formas.

Reluto para dele não sentir medo. Sigo em frente em cada pedaço de vento que passa. Enquanto ele anda acelerado, sento nos bares nas calçadas, olhando a vida, jogando conversa fora, sorvendo lentamente um gelado copo de cerveja, comendo como tira-gosto pingos de luar que se espalham pelos pratos, pelas esquinas, pelas folhas das árvores.

Na minha ousadia, parei de temê-lo, zombando do seu fatigante e insípido caminhar, encharcando meu olhar com as poesias que leio, com as músicas que ouço, boleros que vêm de longe contando histórias de paixões avassaladoras, de amores perfeitos, de rancores desfeitos, de dores curadas, de corações batendo felizes, audazes e valentes.

Que me importa se ele tem poder devastador, se posso respirar o ar perfeito do amor, se posso colher um girassol e plantar na essência da minha alma, se posso rasgar o ventre da terra e cravar uma pimenta-de-cheiro, amarela como o sol da liberdade, ardente como uma noite de prazeres nos lençóis alvos, nas alcovas perfumadas?

Dane-se o tempo na sua tarefa inglória de tornar velhos os moços, se flutuo entre as fumaças dos incensos que levam aos céus as minhas orações, que as trazem de volta com recados da fé, escritos nos cabelos dourados dos anjos que me trazem sinais. Que me entregam cartas falando dos encantos do paraíso, dos prados pincelados de verde, dos arco-íris que por lá vivem espalhados pelo chão. Dane-se o tempo terreno, se a eternidade não acelera o passo.


Link: http://www.overmundo.com.br/banco/dane-se-o-tempo-1

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